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2º PRÊMIO

2013
Lençóis Paulista – SP

autores
Carolina Penna
Marcio Novaes Coelho Jr
Silvio Sguizzardi

colaboradores
Eveline Crajoinas
Gabriel Lima
Luis Felipe da Conceição

Restauro da Destilaria Central de Lençóis Paulista

Concurso Público de Arquitetura para a Restauração da antiga Destilaria Central de Lençóis Paulista – SP, bem tombado pelo CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.

OBJETIVO E JUSTIFICATIVA DO PROJETO

CONTEXTO

Marco urbano onipresente na paisagem do município, a antiga Destilaria Central de Lençóis Paulista, tombada como bem cultural de interesse histórico-arquitetônico, foi construída em 1943 pelo extinto IAA – Instituto do Açúcar e do Álcool, constituindo exemplar de patrimônio industrial implantado no Estado de São Paulo durante o período da Segunda Guerra Mundial, com o intuito de suprir a falta de combustíveis gerada pelo conflito.
Integra um conjunto de estabelecimentos criados com o propósito de produzir álcool retificado, que era adicionado à gasolina, para atender à demanda de combustíveis do mercado interno brasileiro. O advento dos conflitos propiciou grandes transformações no cenário internacional, interrompendo a importação de diversos produtos, o que levou a indústria paulista a iniciar um processo de substituição de produtos, gerando grande impulso à industrialização no estado. No período, a indústria nacional se tornaria responsável pelo abastecimento não somente do mercado interno, mas também suprindo o externo.
A Destilaria funcionou por breve período, apenas enquanto durou a guerra, sendo em seguida integralmente desativada, tendo seus prédios permanecido praticamente sem uso e sem receber qualquer manutenção, abandonados. Além do desgaste causado pela ação natural das intempéries, o conjunto passou a sofrer também com ações de depredação e saques, dada a boa qualidade do material empregado em sua construção.
De 1988 a 1996, foi parcialmente ocupado pelo Museu Histórico e Cultural, recém-criado pelo historiador lençoense Alexandre Chitto, autor das principais obras de referência sobre a história da cidade. Devido às precárias condições em que os galpões se encontravam, o museu acaba sendo transferido para uma edificação no centro da cidade.
Apesar da situação de extrema precariedade, as instalações passam a ser ocupadas por famílias carentes, de forma improvisada. Com o colapso paulatino das estruturas, o conjunto entra definitivamente em processo de arruinamento.
Seus remanescentes formam atualmente um impressionante sítio de ruína industrial, mantendo em alguns pontos as proporções e a espacialidade originais, ainda possibilitando a compreensão de seu sentido original. Entretanto, partes inteiras do complexo desapareceram, praticamente sem deixar vestígios, conforme constatado por meio de visita técnica ao local.
A oportunidade que agora se descortina, de reabilitação do local para uso educacional, com a utilização do espaço de forma pública e gratuita, sediando o “Centro Municipal de Formação Profissional Prefeito Ideval Paccola”, configura-se como excelente oportunidade de reinserção do bem cultural na vida sociocultural da cidade, reforçando os vínculos identitários e de memória da população para com o lugar. A forma como tal processo pode se dar é a chave para a formulação do projeto de restauro aqui apresentado.

POÉTICA DA RUÍNA

A partir da compreensão do potencial simbólico da ruína, passamos a vislumbrar o desafio proposto como a chance de transformar a própria reocupação do bem cultural em um processo profundo e profícuo de aprendizado contínuo, propiciando a experienciação pedagógica dos espaços e de sua historicidade, respeitando as marcas deixadas pelo passar do tempo, enquanto testemunhos fundamentais para a construção da memória social.
Buscando, assim, garantir a autenticidade das estruturas encontradas, assumindo-as como parte de um processo dinâmico e evolutivo, fazendo “alusão a todas as vicissitudes às quais o bem foi sujeito ao longo de sua história” , a ruína será consolidada, com o estancamento do processo de deterioração por que vem passando, respeito máximo pela substância original, preservação dos elementos construtivos ainda íntegros e, mais do que isso, serão respeitadas as suas qualidades espaciais seminais.
Entretanto, em função do péssimo estado de conservação atual, para atender ao programa de necessidades solicitado, será preciso recriar condições de habitabilidade das edificações, recuperando-as de modo a possibilitar o desenvolvimento das atividades previstas. Para isso, será necessária a reconstrução dos antigos galpões e das partes faltantes do conjunto.
De acordo com definição contida na Carta de Burra, Artigo 17, “A reconstrução deve ser efetivada quando constituir condição sine qua non de sobrevivência de um bem cuja integridade tenha sido comprometida por desgastes ou modificações, ou quando possibilite restabelecer ao conjunto de um bem uma significação cultural perdida.” Esclarece, ainda, no Artigo 19, que, além de obedecer a características conhecidas graças aos testemunhos materiais e/ou documentais, “as partes reconstruídas devem poder ser distinguidas quando examinadas de perto.”
Considerando os danos já causados pelo processo de arruinamento do conjunto, com perda irreversível de partes inteiras, a intervenção proposta se justifica, apresentando-se como uma solução adequada e coerente para o problema. Atende também a disposição da Carta de Veneza, que estabelece em seu Artigo 12, “Os elementos destinados a substituir as partes faltantes devem integrar-se harmonicamente ao conjunto, distinguindo-se, todavia, das partes originais, a fim de que a restauração não falsifique o documento de arte ou de história.”
Assim, a partir de uma leitura arqueológica do lugar, identificando a implantação primeira da Destilaria e a lógica de ocupação daquele sítio, reconhecendo seu esquema original enquanto uso industrial, propomos a restauração da espacialidade perdida, através da recomposição das partes faltantes com formas simplificadas, material e técnica construtiva distintos dos originais, característicos do momento presente, mas tratados de forma equilibrada e harmônica com relação às preexistências, que, acima de tudo, são referenciadas. Desta matriz, surgem também os volumes complementares necessários à adequada acomodação do programa, prismas puros, arquetípicos, obedecendo à ordem e hierarquia de implantação do conjunto.

RESPONSABILIDADE SOCIAL

Questão delicada da operação proposta é a situação das antigas residências de funcionários que fazem parte do complexo, atualmente ocupadas por famílias, cujo destino foge das possibilidades propositivas do projeto de restauro.
Diante de tal impasse, procuramos imaginar diferentes cenários resultantes de soluções possíveis, como estratégias de gestão, tomando por princípio a independência das ações a serem realizadas, ou seja, evitando condicionar o início das atividades do Centro de Formação à liberação das casas por parte de seus atuais moradores, o que, dependendo dos trâmites jurídico-burocráticos envolvidos, pode ou não se efetivar, em maior ou menor intervalo de tempo.
Apesar da indefinição, que certamente deverá ser objeto de análise por parte dos órgãos competentes, reconhecemos o papel fundamental que essas pessoas tiveram ao longo do tempo para a preservação daqueles imóveis. Mesmo tendo efetuado pequenas descaracterizações, com eventuais reformas ou ampliações espúrias, a sua presença garantiu o mais importante elemento para a adequada preservação, que é o uso contínuo e compatível com a natureza do bem cultural.
Diferentemente dos galpões arruinados, as casas encontram-se em bom estado de conservação , podendo ser facilmente restauradas. Por esse motivo, como forma de reconhecimento aos seus esforços e melhores intenções, um dos cenários imaginados é a permanência dessas famílias onde atualmente moram, recebendo orientação técnica especializada para a realização de melhorias nas casas que ocupam.
Considerando a sua saída, com a liberação dos imóveis para o uso educacional, percebemos que não são adequadas para abrigar as atividades previstas, uma vez que seus espaços interiores são naturalmente bastante compartimentados, limitando sua ocupação por pequenos grupos. Seriam adequadas, portanto, como moradias estudantis, preservando seu uso original, ou pequenos escritórios, vinculados às atividades pedagógicas a serem desenvolvidas.
Em todo caso, para todos os cenários desenhados, fica clara a vocação das antigas residências para abrigar ações de responsabilidade social, como moradia, moradia estudantil, locais para treinamento ou trabalho em grupos, escritórios-modelo ou incubadoras para jovens empreendedores, ou seja, usos compatíveis, diretamente relacionados com o Centro de Formação, e que não demandariam extensas alterações e adaptações dos espaços preexistentes.

Com o conjunto devidamente restaurado, o efeito que se pretende é que, de longe, a antiga Destilaria Central possa novamente ser apreciada em sua forma original, como marco urbano. Na medida em que nos aproximarmos do conjunto, através do reconhecimento das texturas, cores, densidade, espessuras, será possível perceber, de modo sutil e surpreendente, as nuances que identificam claramente o antigo e o novo, a matéria original e a intervenção realizada. O novo, gerado a partir da matriz original do bem, estabiliza e dá nova vida à ruína, recuperando e potencializando a sua significação cultural.
Buscamos, assim, criar condições para que o bem tombado, de modo integral, possa novamente voltar a desempenhar função útil à sociedade, enquanto referência na cidade, importante testemunho histórico, abrigando as atividades propostas, abrindo-se à população para sua visitação, apreciação e fruição, atendendo, mais uma vez, ao interesse público.