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2012
Itapura – SP

Coordenador de Projetos: Arq. Ana Carolina Marques Damasco Penna
Responsável Técnico: Arq. Márcio Novaes Coelho Jr
Arquiteto Sênior: Arq. Silvio Sguizzardi

Projetos Complementares

Projeto de Fundações e Estruturas: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior
Projeto de Instalações Hidráulicas e Sanitárias: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior
Projeto de Instalações Elétricas e Eletrônicas: Eng. Joel Soares Gallis
Projeto de Instalações de telefonia (comunicação interna em geral): Eng. Joel Soares Gallis
Projeto de Instalações de Prevenção e combate a incêndio: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior

Restauro do Palácio do Imperador de Itapura

Esta proposta de reabilitação do Palácio do Imperador, em Itapura – SP, parte da premissa de reinseri-lo de forma ativa na vida sociocultural da cidade, proporcionando a sua adequada preservação, a partir da formação de um núcleo cultural, formado pelo conjunto do bem tombado, a ser ocupado pelos Departamentos de Educação e Cultura e de Turismo, Esporte e Lazer, das novas instalações da Biblioteca Municipal e do Centro de Memória, de uma nova praça pública, dotada de infra-estrutura para projeção de filmes ao ar-livre, além da previsão de local para futura instalação do Museu Histórico de Itapura, e da estreita relação a ser fomentada para com as escolas públicas vizinhas.

ESTRATÉGIA DE IMPLANTAÇÃO
A partir da análise da história do lugar, foi verificado que, não apenas a cidade perdeu parte de seu território, com sua inundação pelo represamento das águas dos rios Paraná e Tietê, sendo obrigada a mudar-se para a parte mais elevada do terreno, mas também parte da cidade nova foi erguida justamente sobre o local da primeira ocupação daquele território, ou seja, sobre os vestígios da antiga Colônia Militar de Itapura.
Comparando a planta cadastral atual da cidade com o mapa de 1885 da antiga colônia, percebe-se que o Palácio, antes inserido como elemento referencial de um conjunto simétrico e ordenado de construções, fora incorporado ao novo arruamento de forma aleatória, agora deslocado na quadra, sem relações para com o seu entorno imediato. Indício concreto deste fato é a verificação do posicionamento do bem tombado em relação ao desenho da quadra em que se encontra, formando inclinação de 10° para com os limites do lote.
Buscando estabelecer uma relação entre essas camadas historiográficas do lugar, explorar suas potencialidades e ressaltar os diferentes momentos formadores da cidade atual, propomos uma abordagem da memória arqueológica de Itapura, tomando como base projetual os traços de suas ocupações no tempo e espaço.
A quadra, agora transformada em praça, surge com desenho híbrido, fruto de um gesto claro, calcado nos traços da colônia desaparecida, com contornos da cidade nova. O chão, os passeios, o embasamento dos elementos propostos, tudo o que está em contato com o solo segue o alinhamento do Palácio, o traçado da antiga colônia militar. As novas edificações, pertencentes ao momento atual, alinham-se à nova quadrícula, às vias e construções do entorno, ressaltando a disparidade ente as duas malhas urbanas, abrindo visuais para o bem tombado e, fundamentalmente, explicitando a distinção entre o novo e o preexistente.
Com o intuito de recuperar e respeitar a escala e ambiência originais do antigo sobrado, bem como sua monumentalidade, as novas construções a serem erguidas em seu entorno imediato devem ser térreas e dispostas ao seu redor, com certo afastamento, conforme registro da ocupação militar inaugural.

DISTRIBUIÇÃO DO PROGRAMA
O bem tombado é preservado como centro focal do conjunto, elemento seminal ao redor do qual os diversos elementos e atividades propostos se originam e se organizam. O Palácio concentra funções de gestão pública, aberto à população, simbolicamente provendo o espaço de contato entre cidadãos e poder municipal. Abriga também, no pavimento térreo, a recepção das secretarias, local para controle e armazenamento do Cine+Cultura, com fácil acesso à praça para montagem e desmontagem dos equipamentos, e o Centro de Memória, com espaços para organização e divulgação do acervo histórico, em estreita proximidade e intimidade para com a população local e visitante.
A partir de seu eixo central, do saguão principal, na face posterior da edificação, surge uma plataforma alongada, na mesma altura do piso preexistente, extensão de seu espaço interno, um local de encontro, que acomoda as diferentes cotas de nível do terreno, proporciona acessibilidade, organiza e ordena o ambiente externo, conectando o antigo Sobradão aos novos elementos dispostos na praça.
A Biblioteca Municipal surge a partir deste eixo, afastada para não obstruir os visuais para o bem tombado, mas a ele referenciada – em posição e proporções – e também aberta à população, com seu acesso voltado à escola estadual na quadra vizinha, direcionado ao centro da cidade.
No quadrante oposto, ao lado do Palácio, entre as árvores existentes, fica reservada uma área, de igual tamanho ao da biblioteca, para futura construção do Museu Histórico de Itapura, que complementará o núcleo cultural da cidade.
Ao redor da Estação Elevatória 2, com o objetivo de minimizar a sua interferência na paisagem de entorno e abafar o ruído mecânico das máquinas de bombeamento, é criada uma massa densa de vegetação arbustiva e arbórea, configurando pano de fundo verde para o conjunto.
No centro da quadra, a praça pública, articulando todos os elementos, novos e preexistentes, e oferecendo à população, além de oportunidades para encontros, descanso e lazer, o espaço adequado desejado para a projeção de filmes ao ar-livre.
As diretrizes de ocupação e disposição do programa proposto na quadra visam realçar o valor monumental do bem tombado, respeitando sua escala, proporção e situação, preservando as vistas livres para sua fruição.

PERSPECTIVAS
Apesar de interferir na leitura de sua fachada frontal, a densa arborização existente em seu acesso principal é mantida, pois cria uma zona sombreada, bastante agradável, considerando o calor característico da região, além de muito bela e até poética, proporcionando o gradual vislumbre do casarão por entre troncos, galhos e folhas, de acordo com o movimento de aproximação que se faz do imóvel.
Neste ponto do terreno, uma vista que se propõe preservar é, distante, ao fundo na paisagem, a surpresa da visão do Rio Tietê, remetendo à ligação fundamental da cidade para com o curso d’água.
Para compensar a obstrução causada pelas árvores, sua face posterior, voltada para o sul, é preservada livre de qualquer interferência, tendo apenas espécies de pequeno porte em sua proximidade, podendo ser observada não apenas das ruas ao redor, mas também do pátio de recreação da escola estadual. Do interior da quadra, a vista para o Palácio também permanece livre, e este estabelece escala e noção de lugar ao espaço público criado.

O BEM CULTURAL – PROJETO DE RESTAURAÇÃO
Em virtude da unicidade e importância do bem, é proposta a sua restauração completa, com respeito máximo aos materiais remanescentes, e emprego de materiais similares e compatíveis, quando necessário, para a recomposição de elementos perdidos com o processo de deterioração por que passou, observando o cuidado de registrar todo o processo e identificar os novos elementos utilizados, para reconhecimento posterior, de acordo com as normas e recomendações internacionais de intervenção em bens culturais.
Como base documental para a restauração a ser empreendida, serão utilizados material de levantamento e análises realizados no local, pesquisa documental de obras e referências sobre o bem e, de grande valia, os registros contidos no Processo n.º 611/1975, arquivado no Condephaat, sobre a restauração promovida na década de 1970, aprovada e acompanhada por técnicos do órgão.
Para a realização da obra, será necessária a construção de canteiro temporário coberto, onde as peças de madeira que compõe a construção (elementos em estágio mais avançado de deterioração) possam ser limpas, organizadas, catalogadas, registradas e analisadas em função de sua integridade estrutural, para verificação da possibilidade de seu reaproveitamento, após tratamento protetor adequado, ou descarte.
Apesar do péssimo estado de conservação em que se encontra o imóvel tombado, sua estrutura em alvenaria de tijolos de barro permanece íntegra, apenas apresentando indício de problema, com o aparecimento de uma trinca vertical em um único ponto, justamente onde foi realizada intervenção espúria, com a modificação da escada original e inserção de sanitários nos dois pavimentos. Estas intervenções devem ser desfeitas, o que proporcionará a retirada do peso das paredes internas colocadas para separação dos ambientes, aliviando a carga sobre as paredes externas e fundações, que devem ser amarradas e estabilizadas.
A cobertura, apesar de aparentemente em bom estado de conservação, graças a obra recente de reforma conduzida pela prefeitura, deverá ser totalmente revista e analisada, para verificação da qualidade dos materiais empregados e dos serviços realizados, uma vez que, em análise preliminar no local, surgiram dúvidas relativas a estas questões e ao respeito às formas e técnicas anteriores. É importante registrar que o telhado atual é, pelo menos, o terceiro construído para proteger o imóvel, uma vez que já havia sido inteiramente trocado na restauração anterior.
Os pisos de tábuas de madeira nos dois pavimentos apresentam extensas áreas de completo arruinamento e, após análise para verificação de possível aproveitamento das peças íntegras, deverá ser reconstituído, com a complementação com material similar. Os vigamentos de madeira que estruturam os dois pisos apresentam, da mesma forma, graves sinais de apodrecimento e, deverão passar por análise de integridade estrutural para verificação da necessidade de eventual troca ou reforço das peças, neste caso, a ser feito com elementos metálicos, de modo a facilitar a identificação da intervenção e proporcionar estabilidade estrutural.
O forro do pavimento térreo encontra-se praticamente arruinado e deverá ser inteiramente trocado por novo, similar ao anteriormente existente. O do pavimento superior foi refeito na reforma recente, mas também deverá ser revisto e analisado, para verificação da qualidade dos materiais empregados e dos serviços realizados.
Os poucos caixilhos de madeira ainda remanescentes serão, se possível, reaproveitados. Os novos caixilhos a serem confeccionados deverão seguir o desenho original, a ser compatibilizado entre os existentes no local, aqueles documentados em fotografias antigas do imóvel e o registro no processo do Condephaat.
Os batentes de madeira das portas encontram-se em razoável estado de conservação e serão mantidos, recebendo manutenção e proteção adequadas, além da reconstituição, quando necessário.
Sobre as portas internas é possível verificar na argamassa das paredes o aparecimento de trincas que indicam a preexistência de bandeiras em arco pleno. Deverá ser realizada análise com técnica retrospectiva nestes pontos, além de pesquisa documental, para confirmação de eventual alteração no desenho destes elementos, bem como sua datação e motivação, para determinação da solução a ser tomada, de manutenção da forma atual ou recuperação da anterior.
A sacada no pavimento superior da ala leste encontra-se arruinada. Sua estrutura apresenta sinais de apodrecimento e deverá ser reforçada ou substituída, de acordo com análise a ser realizada. O guarda-corpo que ficava no local encontra-se guardado no Almoxarifado Municipal, entretanto, não é original da construção, mas sim de reforma posterior. Há registros históricos que permitem a reconstituição do desenho original, similar a um muxarabi, solução pertinente e cabível, visando à recuperação da coerência entre os elementos construtivos e integridade do bem cultural.
As paredes, originalmente caiadas (externamente com pigmento ocre amarelado e internamente sem pigmentação), deverão ser primeiramente analisadas, para verificação das camadas sobrepostas de tintas, cuidadosamente removidas com jato de areia de baixa pressão (preservando-se pequena área intacta para documentação histórica) e, então, novamente protegidas com caiação para proteção e respiro da alvenaria, respeitando-se a cores originais.
O piso externo de placas de granito, revestimento do patamar de acesso e da escada frontal, além de não ser original, encontra-se em mau estado de conservação, e, portanto, deverá ser trocado por outro, a ser especificado em função de pesquisa e análise a serem realizadas.

O BEM CULTURAL – ADAPTAÇÕES NECESSÁRIAS
Em virtude da destinação do bem cultural a novo uso – de residencial, já serviu como sede administrativa e, agora, passará a abrigar duas secretarias municipais –, de modo a atender a necessidades e exigências atuais, a edificação precisará sofrer adaptações pontuais, especificamente no que se refere a acessibilidade, circulação vertical e sanitários públicos.
Considerando que as adaptações realizadas anteriormente (escada e sanitários), além de se mostrarem soluções insatisfatórias e se encontrarem em péssimo estado de conservação, ainda oferecem risco à construção, uma vez que foi verificada trinca exatamente no local de intervenção, devem ser substituídas, portanto, por novas estruturas, que resolvam de modo satisfatório e definitivo as exigências impostas.
Em prol da preservação da integridade máxima do bem, é recomendável a intervenção mínima necessária. Sendo assim, propomos a criação de sanitários (adaptados) apenas no pavimento superior, para atender às áreas de trabalho cotidiano, como bem convém, deixando o pavimento térreo mais próximo de sua configuração original, sem instalações espúrias obstruindo o espaço.
Para resolver a circulação vertical, já que a escada original não foi preservada, considerando que as dimensões apropriadas de uma escada para uso público, segundo as normas atuais de segurança e conforto, implicariam o desperdício da quase totalidade da área de um cômodo no interior da edificação, e, ainda, observando a necessidade de instalação de equipamento mecânico para transporte de pessoas com mobilidade reduzida, propomos a transferência destes elementos para o lado externo, junto da fachada lateral (oeste), aproveitando uma antiga abertura que atualmente se encontra vedada, liberando totalmente a área do pavimento térreo para uso público e estabelecendo novo eixo de circulação interna, compatível com a hierarquia e funcionamento das secretarias instaladas no pavimento superior.
A nova circulação vertical será protegida por uma superfície de mínima espessura, posicionada de maneira que, observando o bem cultural de frente, gere a menor interferência visual e obstrução da vista possível. Elevada do solo até a altura do embasamento do Palácio, sustentada por apenas dois apoios, será construída em concreto e, para seu feitio, na fabricação das formas para concretagem, serão aproveitadas as peças de madeira descartadas que estiverem estruturalmente comprometidas, deixando impresso nesta parede, a ser vista da praça, vestígios da memória material do bem tombado.

BIBLIOTECA MUNICIPAL
Entendemos que o novo edifício da Biblioteca Municipal, pensado como extensão do Palácio, deva estabelecer relações estruturais, formais e funcionais para com o mesmo, inserido respeitosamente em seu entorno, proporcionando sua apreciação desimpedida, mas, ao mesmo tempo, estabelecendo-se como nova arquitetura, essencialmente paulista, parte importante do núcleo cultural proposto e marco de um novo momento histórico que a cidade começa a vivenciar.
De concepção, composição formal, execução e funcionamento simples, o novo edifício é constituído por poucos elementos e materiais, como o é o bem tombado. Construído em estrutura de concreto convencional, com apoios regulares e simétricos, tem seu sistema construtivo, as vedações e acabamentos determinados levando em consideração o baixo custo, a facilidade de execução, conforto ambiental, eficiência energética, alta qualidade e durabilidade dos materiais.
A dimensão das laterais de sua projeção quadrada é a mesma do maior lado do Palácio. A área útil proposta se adéqua às reais necessidades institucionais, verificadas em visita técnica às atuais instalações da biblioteca pública e por meio da entrevista com a Diretora de Educação, Prof. Gecei Latorre Garcia.
É concebido como uma grande cobertura, criando extensa área sombreada e arejada, protegida do calor intenso da região, apropriada para abrigar livros e agradável para o usufruto de seus usuários. Suas laterais são definidas por brises verticais de madeira, criado uma superfície vazada contínua, de textura homogênea, protegida por tela contra insetos e outras espécies de animais, permitindo a iluminação e ventilação natural permanente do espaço interno. Na área central, correspondente em tamanho ao saguão do Palácio, provida de iluminação e ventilação zenital por meio de sheds, é criado um jardim interno para abrigar a brinquedoteca, local especial dedicado às crianças mais novas. Ao seu redor, são providos espaços para o acervo, consulta, leitura e estudos. Em seu lado posterior, um grande terraço de leitura se descortina para o jardim.
A cobertura, delimitada por platibandas e brises em função da insolação, visível do pavimento superior do bem tombado, também será recoberta por cobertura vegetal, com exceção da área de sheds, por meio de sistema de simples aplicação e manutenção para proteção de lajes planas, visando não apenas adequar o novo edifício à paisagem, como também proporcionar melhor conforto térmico e acústico em seu interior.
Levemente elevada sobre a praça, com acesso pela plataforma criada no nível térreo do Palácio, a biblioteca é rodeada de jardins e de um espelho d’água com pedras da região, para receber as águas das chuvas, refrescar o ar e refletir a iluminação natural, e a imagem do Palácio, para seus espaços internos.

PRAÇA CULTURAL DE ITAPURA
A partir da compreensão aprofundada sobre o bem tombado, objeto desta proposta de intervenção, e do contexto em que está inserido, buscamos desenvolver uma estratégia que, mais do que seu restauro físico (sem dúvida urgente e imprescindível, mas que, assim entendemos, não se basta em si), estabelecesse relações explorando as potencialidades do lugar, em acordo com sua escala e dinâmica político-econômica e sociocultural, com o intuito de efetivamente proporcionar a sua reintegração à vida ativa da cidade, que, mais uma vez, vem crescendo em população, mas ainda carece de instituições culturais e espaços públicos de qualidade. Este novo núcleo é proposto como uma oportunidade (e esperança) de a população itapurense novamente voltar a sentir orgulho de sua história, de suas raízes, de sua identidade.