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2013
Bananal – SP

Coordenador de Projetos: Arq. Ana Carolina Marques Damasco Penna
Responsável Técnico: Arq. Márcio Novaes Coelho Jr
Arquiteto Sênior: Arq. Silvio Sguizzardi

Projetos Complementares

Projeto de Fundações e Estruturas: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior
Projeto de Instalações Hidráulicas e Sanitárias: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior
Projeto de Instalações Elétricas e Eletrônicas: Eng. Joel Soares Gallis
Projeto de Instalações de telefonia (comunicação interna em geral): Eng. Joel Soares Gallis
Projeto de Instalações de Prevenção e combate a incêndio: Eng. Edison Martiniano de Oliveira Junior

Restauro Solar Aguiar Vallim – Bananal, SP

MEMORIAL DESCRITIVO

Imponente, o Solar Aguiar Vallim, com área construída totalizando aproximadamente 2.000 m2, se apresenta atualmente de forma contraditória. Externamente, tem seus planos externos aparentemente em bom estado de conservação; internamente, mostra-se clara-mente comprometido, com diversos elementos em precárias condições, além de partes fal-tantes.
Conforme a documentação disponibilizada e analisada, e por meio de visita técnica rea-lizada, constata-se que o imóvel sofreu uma série de reformas ao longo do tempo, que resul-taram em seguidas modificações de seus espaços internos ou mesmo de elementos estrutu-rais, em virtude das necessidades específicas de cada uso que abrigou e de cada momento. Em parte realizadas antes da abertura do estudo de tombamento, sobre muitas intervenções não foram encontrados registros. Foram criados sanitários e uma copa, e há indícios de que divisões internas foram modificadas e diversos elementos substituídos, inclusive com aplica-ção de argamassa cimentícia sobre paredes de pau-a-pique.
Das obras documentadas, além da substituição do conjunto estrutural da cobertura e de seu entelhamento, com instalação de escoras, no final da década de 1980, as principais intervenções foram: substituição de trechos deteriorados dos esteios de madeira da estrutu-ra; na fachada dos fundos, inserção de pilar de concreto embutido na alvenaria de adobe; recuperação de portas e janelas; revisão e refazimento de paredes divisórias internas, res-peitando a técnica construtiva primitiva; revisão de todo o revestimento externo; novo refor-ço estrutural provisório, na porção central do prédio, no ano de 2010.
Foram ainda realizados diversos levantamentos por técnicos do Condephaat, bem co-mo laudos produzidos pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo, material de fundamental importância para todas as fases de desenvolvimento do projeto de restauro do bem.
As propostas agora apresentadas baseiam-se nestas informações analisadas e nos princípios e recomendações das cartas patrimoniais de preservação do patrimônio cultural. Para a elaboração das próximas etapas de projeto, será ainda imprescindível a atualização das informações disponíveis, com avaliação do conjunto estrutural e do estado de conservação de cada elemento construtivo da edificação.
 
Cobertura
Questão fundamental a ser enfrentada pela intervenção pretendida, a cobertura do Solar Aguiar Vallim, tem sido motivo de preocupação permanente desde o final da década de 1980, quando foi inteiramente substituída por uma nova estrutura, que, superdimensionada, resultou no abalamento das paredes portantes da edificação, exigindo a instalação de escoras provisórias para contenção do processo deflagrado de arruinamento do bem tombado, situação em que se encontra desde então.
Conforme pareceres contidos na documentação fornecida, a obra consistiu na completa substituição do telhado original por outro modelo estrutural, ou seja, foram introduzidas doze tesouras onde havia apenas nove, cujos apoios, antes distribuídos por todas as paredes, inclusive as principais internas, com a nova estrutura, passam a transferir todos os esforços apenas sobre as paredes externas, feitas de adobe e taipa de pilão. A iniciativa manteve volumetria original, mas desconsiderou o comportamento e a natureza física do prédio. Como resultado, passaram a ser verificadas diversas trincas e rachaduras, principalmente acima dos vãos do pavimento superior, potencializado pelo desalinho entre as novas tesouras e a modulação estrutural da edificação, devido à redistribuição do posicionamento dos pontos de apoio, causando desequilíbrio na transferência das cargas da cobertura.
Dado o tempo decorrido, novas patologias podem ser observadas, como o comprometimento estrutural da parte central do prédio, que sofreu afundamento e precisou receber reforço, e a deterioração das próprias escoras provisórias, feitas de madeira roliça e também sofrem processo de biodeterioração, fragilizando-se e perdendo resistência estática.
Diante da complexidade da situação e fragilidade em que se encontra o bem cultural, fica clara a necessidade de atualização das informações disponíveis, com a elaboração de novos laudos técnicos, que identifiquem com propriedade e clareza as atuais condições físicas dos diversos elementos construtivos do imóvel, visando ao embasamento fundamental da solução estrutural a ser adotada para a resolução do problema.
Conceitualmente, nos vemos diante de uma contradição paradoxal. A intervenção realizada mostrou-se claramente equivocada e danosa à adequada preservação do bem cultural, colocando em risco a própria possibilidade de sua salvaguarda. Assim sendo, dois cenários se delineiam:
– considerando o grande impacto já sofrido, visando à desejável mínima intervenção, a atual cobertura é mantida, por se encontrar em bom estado de conservação, mediante os reparos que se fizerem necessários. Entretanto, para que seja possível a retirada das escoras que a sustentam desde que foi erguida, será imprescindível a inserção de um reforço estrutural de grandes proporções no interior do edifício original, composto por um conjunto de novos pilares, vigas e fundações, que, ainda que possa ser visualmente tratado ou até camuflado, representa um grande risco, dada a fragilidade em termos de estabilidade do imóvel, que corre o risco de sofrer ainda maior abalo estrutural. Tal opção acarretará ainda a alteração por completo da lógica de comportamento da edificação, efetivando, em última instância, a situação presente, ou seja, consolidando como permanente uma solução que se previu provisória (escoras), ainda que com outro desenho (reforço), transferindo diretamente ao solo a carga superdimensionada de um elemento espúrio, enquanto a substância original perde seu inerente papel, tornando-se mero invólucro; ou,
– buscando resgatar a essência e integridade do bem cultural, impõe-se a possibilidade de reparação do erro outrora cometido, com nova substituição, ou seja, propondo-se o desmonte da atual cobertura, com aproveitamento de seus elementos constitutivos, para a construção
de uma nova cobertura, em estrutura mista, de madeira combinada com aço, com desempenho mais eficiente dos materiais e, portanto, mais leve, justamente desenvolvida em função da minuciosa análise das propriedades físicas do imóvel que se pretende preservar, condicionada à situação específica e, fundamental, distinguindo-se do desenho original , evitando o risco do falseamento com um pretenso retorno à forma original, pelo contrário, explicitando o processo histórico em si.
Entre uma opção e outra, não resta dúvidas. Com relação a custos, não há grandes disparidades. Em termos de execução, a segunda proposta é menos agressiva, tecnicamente simples e resulta definitivamente relação mais sutil e harmônica entre o novo e o preexistente.
A primeira, apesar de partir do pressuposto da intervenção mínima, por meio da mera consolidação da situação existente, exige operação tão invasiva e com tal grau de alteração da lógica do edifício, que se mostra mais uma vez equivocada, representando a finalização do erro cometido há cerca de 25 anos atrás.
A segunda, apesar de, a princípio, parecer talvez indesejável, por se tratar de uma necessária
reconstrução, após equilibrada ponderação das premissas envolvidas e da possibilidade de reversibilidade da intervenção anterior, se revela perfeitamente adequada, viável e coerente para com os propósitos de preservação, de acordo com os princípios estabelecidos nas cartas patrimoniais, garantindo ao bem cultural autenticidade.
De acordo com definição contida na Carta de Burra, Artigo 17, “A reconstrução deve ser efetivada quando constituir condição sine qua non de sobrevivência de um bem cuja integridade tenha sido comprometida por desgastes ou modificações…” Considerando, portanto, os danos já causados pela sobrecarga atual e o risco iminente a que o bem se encontra submetido, a intervenção proposta se justifica, apresentando-se como uma solução efetiva para o problema.
O desenho da nova cobertura deverá ser elaborado conforme o modelo estrutural anterior do prédio, amarrando as paredes internas às externas, distribuindo uniformemente os esforços por toda a construção, fazendo coincidir os banzos e montantes com os esteios de madeira das paredes de pau-a-pique e adobe devidamente recuperados, através dos quais as cargas serão transferidas até as fundações, consolidando o conjunto em sua unidade, reequilibrando sua estabilidade e recuperando o seu comportamento estrutural original.

Preservando a volumetria e a lógica estrutural originais, com uso das telhas cerâmicas reaproveitadas, externamente, a nova cobertura se apresenta conforme a imagem tradicional marcante e peculiar do Solar na paisagem da cidade. O beiral deverá ser refeito, com cimalha, calhas e condutores seguindo desenho original . Internamente, com a reconstituição do forro de madeira conforme documentação disponível , a estrutura não acarretará impacto na leitura da espacialidade dos aposentos do Solar
Paredes e Esquadrias

Considerando o estado generalizado avançado de biodeterioração das peças de madeira da construção, será necessária análise dos esteios das paredes, portas e janelas, bem como das próprias esquadrias, buscando o tratamento e máximo aproveitamento dos elementos íntegros, e substituição daqueles já comprometidos, visando à consolidação estrutural das diversas partes da edificação.
Deverá ser executada análise estratigráfica para averiguação da existência de pinturas decorativas, além daquelas de que já se tem notícia, bem como para verificação de cores primitivas nos espaços internos.

Pisos
De modo geral, os pisos, cimentado no pavimento térreo e assoalho de madeira no pavimento superior, não apresentam patologias graves. Porém, a estrutura de sustentação dos pisos de madeira (barrotes e vigas) encontra-se bastante deteriorada, com diversos pontos de comprometimento pela ação de insetos xilófagos. Deverão ser verificados e, quando necessário, reforçados ou substituídos.

Instalações Prediais
As instalações prediais deverão ser totalmente revistas e substituídas por padrões atuais de atendimento a normas técnicas.
Inserções

Com o intuito de implementar de modo mais adequado e menos agressivo o programa solicitado, foi definida uma estratégia de ocupação do imóvel, que busca preservar a leitura da construção original, com o mínimo de interferências e, quando estas se fazem necessárias, marcando claramente os novos elementos introduzidos, tanto material como espacialmente.
Para tanto, estas estruturas são dispostas com afastamento em relação às paredes e, ainda, com possibilidade de relocação, garantindo flexibilidade de usos e ocupação. São utilizadas
divisórias baixas, para manter a espacialidade dos ambientes generosos. Os ritmos dos vãos existentes são sempre rigorosamente respeitados. Nos espaços sem iluminação e ventilação naturais (antigas alcovas), são instalados ambientes de não permanência, como almoxarifado, depósito e arquivos.
Instalações sanitárias são introduzidas onde necessário com parcimônia, para atender ao programa dado, conforme o mesmo princípio, como elementos autônomos encerrados em contêineres, posicionados de modo a não obstruir passagens e visuais.

Espaço Público
O desenho proposto para o espaço público – praça e pátio – surge da intenção de valorizar o bem cultural que se deseja reabilitar, respeitando o entorno, núcleo histórico também protegido por lei estadual, inserido na Zona Histórica Central.
Da mesma forma que o Solar, a Praça Rubião Junior passou por diversos momentos, tendo adquirido formas também diversas ao longo dos anos. Diante da falta de informações e impossibilidade de estabelecer referência histórica para a sua reestruturação, é proposta uma nova configuração espacial, atendendo às atuais necessidades de aglomeração pública no local.
Referenciado, portanto, no próprio Solar, o desenho da praça se descortina como grande área livre para o exercício das atividades costumeiras, com a infraestrutura necessária e a disposição de poucos, mas essenciais, elementos posicionados visando à sua conformação espacial, respeitando e valorizando visuais importantes do conjunto cultural.
A arborização existente é preservada e complementada com novas espécies, posicionadas estrategicamente. O redesenho dos canteiros gramados ajuda a definir a ocupação do lugar e proporciona novos espaços de descanso, lazer ou contemplação.
Os pontos comerciais existentes são reorganizados e reconfigurados sob uma grande pérgola, eixo estruturador, estrutura leve e vazada, construída em estrutura metálica e de madeira, que cria espaços de acolhimento e encontro para a população.
O piso recebe tratamento adequado para o impacto da movimentação imaginada, ganhando padronização que cria uma textura neutra e respeitosa em relação ao bem, se aproximando delicadamente e, furtivamente, reaparecendo no pátio.
O pátio, por sua vez, se liberta de sua conformação de isolamento, abrindo-se diretamente para a rua e a praça, através da remoção do muro e dos inadequados sanitários públicos, que são transferidos para o fundo do lote, garantindo-lhe o acesso livre. O espaço conquistado ganha, ainda, outras conexões, com a abertura de duas portas do café e, eventualmente, pode possibilitar novas aberturas do hotel, resgatando a relação direta que as duas construções um dia tiveram. A estrutura pergolada reaparece aqui, marcando e anunciando o novo percurso. Estruturada por pórticos regulares, sua proporção obedece à modenatura das construções vizinhas, estabelecendo um diálogo de hierarquia espacial.

O conjunto, assim completo e apto a assumir um novo papel na vida da cidade, deve ser entendido, através das ações e medidas propostas, como mais uma etapa importante para a construção da memória social, para valorização e afirmação da identidade local e apropriação do bem cultural repleto de significação, pela população e para ela.